quinta-feira, 22 de fevereiro de 2007

A amizade


Ao longo de trinta anos pessoas foram passando no mesmo caminho que eu. Algumas delas deixaram marcas fortes, não raras vezes desde o primeiro momento.

Com alguns de vocês partilhei apenas breves momentos, mas isso não significa que sejam menos valiosos. Carrego-vos no meu peito a todo o momento. De vez em quando viajo até junto de vós e partilho convosco momentos passados e novos.

Quando sentires uma sensação no teu coração – como uma picada forte no peito ao mesmo tempo que parece que dilata - sou eu que me aproximo de ti. Sente o ar morno que passa entre a tua orelha e pescoço enquanto sussuro ao ouvido o quão importante és. Estás a sentir agora? Sou mesmo eu!!!!!!

Não importa se não estou perto de ti fisicamente. Não importa se não me vês. Não importa se naqueles dias mais especiais os meus olhos não vão de encontro aos teus. Chama-me baixinho, desde dentro de ti, e em direcção a ti irei. Partilharei contigo cada sensação... alegrias e tristezas.

Não me esqueço de ti nunca, nem mesmo quando estou do outro lado do mundo, nem mesmo quando estou mais atarefada, nem mesmo quando Deus me coloca desafios elevados nas mãos como neste momento.

Vou-te contar...

Nestes dias fui visitar uma aldeia, não muito longe de onde vivo e trabalho. Tive a oportunidade de estar com a sua gente, entrar dentro das suas casas e conversar com os seus membros. Como deves imaginar, esta não foi a primeira visita que fiz à comunidade. Mas foi diferente de todas as outras. Nesse dia os meus olhos estavam mais atentos e o coração mais sensível. Era um dia chuvoso. Quando as nuvens descansavam de derramar o seu maná, o sol brilhava revelando o reluzir das gotas de água na vegetação e a cor de prata nos charcos de água.

Ao entrar nas casas retirava os chinelos, para não sujar o chão com as camadas de lama que se iam acumulando em cada passada. Cumprimentava os seus elementos e fixava as crianças que timida e suavemente chegavam perto de mim. Conversava um pouco, escutava as suas almas, respirava o seu ar...

Assim fiquei a saber que estão a passar fome. Não há arroz nem milho à venda. Nesse dia tinham ido ao mercado e estavam a contar, pelo menos, com alguns punhados de milho (que actualmente pela sua escassez estão a preços proibitivos). Nem isso encontraram. Resignados, regressaram a casa de lágrimas nos olhos.

Não consegui conter a chuva que também queria sair de dentro de mim. Sem que notassem varri com os dedos as gotas salgadas do canto dos olhos. Antes de vir embora apresentaram-me a um Sr. de 95 anos que passa o dia inteiro num quarto daquela humilde casa. O seu rosto resplandecia ternura. O majestoso esforço fisico que teve de empreender para se sentar na cama e me receber, a sua expressão facial, a sua fragilidade fisica e as palavras amáveis que me endereçou num perfeito português emocionaram-me de tal forma que as palavras de retorno tiveram dificuldade em sair, pelo nódulo que se formara na minha garganta.

Principalmente nestas ocasiões lembro-me de ti. Porque as recordações da nossa bela amizade me dão mais força para seguir no caminho, porque a recordação do teu sorriso e olhar alimentam a minha crença num mundo melhor!!!!!!!!!!!!!!!

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2007

A felicidade


Depois das refeições fico a conversar com algumas das oito Irmãs Canossianas de Lospalos. As mais velhas, que sabem falar português, gostam de reciclar as suas competências linguísticas e é com prazer que partilhamos ideias e pensamentos. Dizem-me a todo o momento (principalmente quando começamos as refeições): «Nós simples, muito simples». As conversas são igualmente de grande simplicidade, uma simplicidade luminosa.

Neste momento vem-me à memória uma conversa recente com a irmã Felicidade. Ao perguntar-lhe a sua idade respondeu-me: «Tenho 72 anos. Sou muito feliz. Estou muito feliz com a minha idade e comigo». Esta afirmação tão peremptória e convincente contrasta com o seu aspecto franzino e débil. Os seus modos são gentis (como a maior parte dos seus conterrâneos timorenses), mas o seu andar não esconde a grande energia, mesmo sendo septuagenária.

Os caminhos de uma das conversas levaram a Irmã de novo até Itália, onde em tempos tivera passado uma temporada, parte do seu percurso religioso. Decorrente dessa estadia, contava-me a primeira vez que viu neve: «Estava a varrer a varanda quando vi cair algodão, mas quando tentei agarrar os flocos, não parecia algodão. Tinha uma textura diferente. Então fui para a rua e fiz uma bola de neve. Quando estava na hora de ir rezar coloquei a bola dentro do bolso e fui para a Igreja. Passado algum tempo vi que no chão começou a cair água. Não sabia de onde vinha, até que a Madre Superiora me perguntou o que tinha no bolso».

Contava-me a história e a cada palavra tinha mais vontade de rir. Dava gargalhadas entre cada frase. Recordava-se com alegria desses momentos, da descoberta dos flocos de neve e do efeito do gelo na presença do calor.

Todos os dias há histórias novas que saltam para a mesa de refeição. As Irmãs mantêm os seus sorrisos abertos e espontâneos, mesmo que estejam numa dia mais atarefado ou doentes. Observo-as e escuto-as - ora em Português, ora em Tétum – e penso: «Isto é a felicidade». Elas vivem em harmonia na sua comunidade, encontraram a sua missão e são felizes nela. Cada dia é uma oferenda que aceitam com agrado e generosidade. E transportam esse espírito em todas as suas acções, como no momento em que eu estava em meditação e a Irmã Felicidade espontaneamente me dá um beijo expressivo no rosto ao mesmo tempo que me abraça. A surpresa pelo gesto fez-me transbordar de emoção, não conseguindo conter as lágrimas enquanto de olhos fechados sentia os seus passos em direcção à porta.

Acredita, a FELICIDADE está na SIMPLICIDADE.