sexta-feira, 23 de março de 2007

Força telúrica

Nas viagens regulares que faço às áreas mais remotas do distrito de Lautem, em Timor-Leste (onde me encontro a trabalhar como voluntária das Nações Unidas) disfruto de toda a beleza da paisagem que o percurso pela montanha nos oferece. Faço e ofereço aconselhamento na educação dos votantes. Apesar do objectivo principal ser a condução de sessões de educação cívica em cada suco ou aldeia, abraço cada ida e regresso como uma oferenda única e irrepetível. Porque cada viagem que se faz é diferente, mesmo que se passe pelo mesmo caminho dezenas de vezes seguidas. Cada dia é diferente do outro, pois diversas variáveis se conjugam para que isso se dê. A luminosidade de cada dia é distinta (e até no mesmo dia); as flores e restante vegetação vão-se alterando com as mudanças climáticas; os animais que povoam cada zona vão-se adaptando ou saindo; o humor e energia das pessoas (locais e internacionais) que vão na viatura também são únicos em cada dia.


Passamos a maior tempo nas viagens de ida e regresso. Aos sítios mais isolados podemos demorar mais de três horas para lá chegar. Partilhamos mais de seis horas, que aproveitamos para que sejam de alegria e comunhão. Nesse período dividimos a comida e bebida que trazemos, ouvimos música e dançamos ao seu ritmo (que se torna fácil com todos os buracos que encontramos no caminho - mesmo os mais tímidos são obrigados a mexer o esqueleto); partilhamos alegrias e preocupações dos locais nesta fase de eleições...

Em todas as viagens algo de mágico sucede. É uma experiência telúrica. Uma energia entra inexplicavelmente em cada poro da pele e percorre cada interstício do corpo. Chego fisicamente moída, mas com as baterias carregadas! Beijo e abraço os colaboradores num gesto de amor fraternal, sem preocupar-me com possíveis resquícias de pudor escondidas algures...

A vida é uma viagem não muito diferente das que faço quando vou à montanha nesta actual missão. Mais do que paragens e caminhos acidentados, ela tem a magia da força telúrica dos seres que nos acompanham.

quinta-feira, 15 de março de 2007

A solidão


Muitos de nós vemos com medo o facto de se estar só. Só em casa, só a tomar uma refeição, só em férias, só sem um/a companheira/o...

A solidão é como uma bola de algodão doce. Se formos prová-la é doce e de seguida desaparece na boca. Pega-se aos dedos e temos dificuldade em fazer desaparecer essa pegosidade.

É, antes de tudo, artificial porque nós não estamos sós. Contamos com a nossa companhia, a companhia da nossa pessoa. Sem nos darmos conta passamos a vida a fugir da nossa companhia. Fazemos de tudo para não a enfrentarmos: passamos o tempo em frente ao televisor, ouvimos música (muitas vezes as duas coisas ao mesmo tempo), sentamo-nos em frente ao computador horas a fio, temos conversas sobre temas sem qualquer relevância (como a vida alheia ou outras superficialidades), vamos ao shopping, trabalhamos mais do que deveríamos,..., etc, etc, etc. Enfim, inventamos infinitas formas de evitarmos estar em silêncio. Quando não temos nada para fazer entramos em pânico e sentimos uma tristeza enorme. A solução imediata que encontramos é ligar de novo a TV, o rádio ou telefonar a um amigo para sair. Ouço amiúde o comentário de gente a dizer que detesta ficar só, que teme a solidão. Como podemos desejar que os outros apreciem a nossa companhia se nós somos os primeiros a temê-la?!

A solidão pega-se aos dedos e fica pegajosa (como o algodão doce), porque ao evitarmos estar sós vamos de encontro a outros seres humanos que se encontram exactamente nessa onda energética. E assim vamos colando-nos uns aos outros para não nos sentirmos sós e não porque intrinsecamente queremos dar e receber, de forma a crescermos, sermos melhores para connosco e com os outros.

E porque é a solidão doce e desaparece de seguida na boca? Porque quem experimenta o prazer da sua companhia percebe que não está só. Por isso a sensação de solidão desaparece. Percebemos a beleza de estar só, de olharmos para dentro de nós, de amarmos quem somos. Para isso, em primeiro lugar temos de aprender a perdoar os erros que cometemos e de seguida lançar as bases para que não voltemos a cometer as mesmas falhas. Torna-se fácil se, por exemplo, conseguirmos rir das nossas falhas. Em cada uma delas há um humor escondido. Soltar gargalhadas dessas falhas ajudará a tornar o erro em algo menos pesado e sério.

Sabendo perdoar os erros e manter a mente atenta para não os voltar a cometer estamos preparados para começar a subir a escada da auto-superação. Estando a nossa mente direccionada no constante crescimento e desenvolvimento haverá lugar para nos sentirmos sós?

Existem infinitas formas de nos divertirmos com a nossa companhia. Partilho contigo uma delas. Experimenta-a!!!!!!!!!!

Põe-te a escutar a canção/música preferida. Fecha os olhos e solta todos os músculos do teu corpo. Vai seguindo o ritmo da música e deixa que, sem qualquer esforço, o teu corpo tome o comando. Deixa-te levar pela música, deixa o teu corpo fluir com a melodia. Lembra-te que que ninguém te está a ver. Sente a música vibrar nos teus pés. Sente a tua pele vibrar igualmente, sente como se vai refrescando pelo suor que vai saindo pelos seus poros. Liberta-te completamente e fica ai a usufruir dessas sensações o tempo que te apetecer.

Existem muitas outras formas de usufruir da beleza de estar só. Cada um encontra aquelas que mais lhe agrada. É claro que existirão sempre momentos de solidão. Fazem parte da condição humana. São momentos muito importantes do nosso crescimento pessoal. Se sentires uma dor muito forte que parece não querer desaparecer, consumindo o ar que respiras fala com os teus anjos. Dirige-lhes a palavra. Pede-lhes um abraço.