sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

A viagem interior


As motivações para integrar uma missão designarão o tipo de postura que cada um adquire uma vez no terreno. Se as motivações integram exclusivamente anseios fugazes e aventureiros dificilmente haverá um interesse em trabalhar os aspectos interiores. Pelo contrário, se encarar o trabalho de missão como uma vocação, inevitavelmente brota a necessidade de desenvolver o seu interior. Alimentando a sua fome espiritual estará a guarnecer a sua alma com pepitas deliciosas de sabor imaterial, só apaladadas pelos que alimentam o seu desejo de degustação celestial.

A natureza do trabalho em missão funciona como uma auto-estrada no roteiro espiritual dos passageiros desse veículo que se chama vocação humanitária. Se esse é o seu caso partilho consigo alguns letreiros que indicam destinos possíveis nesta viagem - aqueles que até ao momento eu fui encontrando.

Todos somos chamados a fazer uma viagem interior, independentemente do lugar onde nos encontramos. Quando saímos do contexto quotidiano que habitamos há vários anos e nos deslocamos fisicamente para outro espaço geográfico esta viagem interior sente-se de uma forma muito evidente. Somos forçados pela natureza da vida em missão a olhar para dentro. Sendo convidados a fazer esta viagem (para fora das fronteiras geográficas e para dentro de nós) e aceitando o desafio já não se pode deter a meio. O piloto do avião não pára o motor em pleno voo. E mesmo que você tente abrir as portas da aeronave, será impossível! Por isso também esta viagem interior precisa preparação.

Assuma-se como piloto
A senda a aderir nesta viagem interior é importante que seja definida pelo próprio, já que o roteiro de vida é unipessoal e intransmissível. Siga a sua intuição, aprenda a ouvir a sua voz interna. Ela será o seu guia-mor. Ao longo da vida vamo-nos cruzando com pessoas que identificamos como orientadores e conselheiros, que lhe podemos designar de co-pilotos. Se tem o privilégio de conhecer seres de luz que estão mais avançados no caminho da espiritualidade e se encontram disponíveis a dar-lhe apoio, usufrua dessa oportunidade. Sabe, à partida, que encontrará poços de ar, trepidação mais ou menos violenta. Nessas ocasiões poderá necessitar com mais vigor de co-pilotos. Aceite o seu acompanhamento. No entanto, tenha sempre presente que você é o piloto do avião. Por mais indicações que receba de como deve pilotá-lo, é a si que cabe fazê-lo. Por mais sábios que sejam os conselhos e orientações, por mais lúcidos e certeiros que sejam os que os pronunciam é o piloto que conduz e por isso o que toma as decisões: a que momento preciso do voo, com que técnicas e perícia. Tome o controlo pleno de cada pormenor da sua viagem. É você quem dirige o itinerário, a velocidade, a altitude e todos os restantes elementos.

Os passageiros não serão sempre os mesmos. Com o passar do tempo uns vão entrando e outros saindo, seja porque uns nascem e outros morrem, ou porque a ordem natural do cosmos isso propicia. Poderão surgir situações em que as incompatibilidades com alguns passageiros se tornam muito volumosas e a convivência parece insustentável. Independentemente do tempo que leve a digerir esses antagonismos, esforce-se por os ultrapassar. A mágoa e ressentimento só tornam o caminho mais difícil. Carregar pesos nos ombros torna a navegação mais agreste. Faça a viagem o mais leve possível libertando o amor que leva dentro.

Para além dos passageiros e dos co-pilotos existem ainda os tripulantes, elementos imprescindíveis no seu itinerário. Eles são os que o apoiam em manter a harmonia a bordo. São pessoas muito importantes para si, tenham ou não laços de sangue. Identificam-se com o gosto de voar na sua aeronave e dispõem das competências para a manutenção dos voos. A experiência irá ajudar a identificá-los com maior facilidade e a fazê-los sentir-se importantes e acompanhados no processo.

Os contextos de missão impulsionam o motor do avião fazendo-o seguir em velocidade cruzeiro. As experiências que se vivem são de tal forma intensas que nos conduzem quase em piloto automático.


Dieta espiritual
Em tempos ancestrais o Homo Sapiens Sapiens deixou o seu estilo de vida nómada. Quando passou a dominar as técnicas do cultivo da terra e domesticação dos animais deram-se as condições para se tornar sedentário. Controlando as artes da agricultura e da pastorícia, começou a ter ao seu dispor alimentos em excesso. Assim cedeu à tentação de ingerir mais calorias das que necessitava. Por isso é fácil perceber porque para muitos ser gordo ainda é um sinal de abundância. Daí a ideia generalizada de que a palavra «dieta» refere-se simplesmente à diminuição da quantidade de alimentos. A origem etimológica da palavra vem do grego díaita, que quer dizer «género de vida» (http://www.priberam.pt/). Dieta é o consumo de alimentos em quantidades suficientes para o nosso bem-estar que, em grande medida, testemunha o nosso estilo de vida. Recorrendo à variedade de alimentos de forma a aportar ao organismo um equilibrado valor nutritivo, estaremos a contribuir para um equilíbrio a todos os níveis do ser.

Do mesmo modo o espírito precisa ser nutrido. Tal como na dieta alimentar, a dieta espiritual pode ser em quantidades volumosas sempre e quando mantiver periódicos exercícios. O consumo de alimentos imateriais não provocará obesidade incorpórea se existir uma boa preparação. O alto valor calórico não constituirá um problema se mantiver bem cuidada a sua alma, bem exercitada. Podemos ver que os que se dedicam o seu tempo exclusivamente ao mundo espiritual - como os que seguem uma vida religiosa - não têm necessidade de reduzir as calorias espirituais armazenadas. Precisamente porque elas nunca são em excesso. Como estão rodeados de pessoas que fizeram a mesma opção, têm acesso fácil a orientação e apoio por aqueles que estão mais avançados no caminho. Diariamente cuidam a sua higiene pessoal, que não passa unicamente pelo asseio do corpo físico. Neste sentido, se decidir ter uma dieta espiritual mais calórica convém ter alguns cuidados. É importante perceber onde quer chegar. Assim poderá traçar o roteiro. Embarcar nesta viagem sem qualquer suporte é arriscado e penoso.

A estética interior
A sociedade contemporânea preocupa-se imenso com a estética externa dos indivíduos. Tal obsessão deixou de ser imputada exclusivamente às mulheres, impondo aos homens os mesmos níveis de exigência do «belo». Como os conceitos de beleza se alteram com as tendências da moda e a aparência dos seres humanos não se modifica instantaneamente e de acordo a esses padrões, criou-se a necessidade de provocar a mudança desejada artificialmente. Algumas das transformações a que os indivíduos se submetem são traumáticas, exigindo períodos de recuperação longos.

Existe uma preocupação excessiva por manter corpos esbeltos e que se adeqúem com as tendências de moda vigentes. Simultaneamente em cada cultura existe uma concepção do belo que leva muitos dos seus participantes a sentirem-se forçados a encaixar nesse modelo. Na manutenção da imagem veiculada como ideal estão colocados ao dispor dos interessados uma série de fórmulas e métodos. Disponibilizam-se dietas alimentares saudáveis, exercícios físicos variados, tratamentos corporais eficazes, medicamentos de última geração, cirurgias estéticas com tecnologia de ponta.

Cuidar do corpo é importante. Cuidar unicamente dele é redutor. Utilizados de forma adequada e equilibrada, estes elementos podem contribuir para o bem-estar das pessoas. No entanto, há já algum tempo que se percebeu que trabalhar exclusivamente o corpo é uma abordagem simplista. A mente e o espírito precisam igualmente de cuidados, visto que não são indissociáveis. Corpo e espírito vivem em simbiose, são interdependentes.

Ao cair-se no extremo da valorização desmedida da estética exterior, as pessoas começam a sentir a necessidade de trabalhar a sua estética interior. Quando tentam orientar-se nessa direcção sentem-se perdidos porque não dispõem de coordenadas, referências. Por isso é comum cair-se nas mãos de oportunistas e charlatães. Outros indivíduos seguem num caminho adequado, mas confrontam-se com consequências e realidades que não estavam à espera. Dou o exemplo daqueles que adquirem elevados níveis de lucidez e passam a enxergar factos de que antes não eram conscientes. Na verdade, algumas das coisas que passamos a conseguir ver são muito difíceis de digerir. Outro exemplo é quando se começa a manipular energias conscientemente. A adaptação do corpo e mente a esses esforços elevados levam à exaustão e ao consequente desafio de se libertar de cargas energéticas. É fácil e cómodo desistir. Para além de termos dificuldade em desvendar soluções para os novos problemas que vamos encontrando, não é fácil ter alguém para nos dar uma orientação. Em muitas situações basta saber que determinadas coisas que estamos a viver são elementos normais do processo. Outras vezes precisamos receber ensinamentos de como proceder.

Dilemas entre o material e o imaterial
Nós, os que alimentamos a nossa fome espiritual, lidamos com vários dilemas. A dimensão terrena obriga-nos a manter uma focalização bilateral, entre o material e o imaterial. Por exemplo, aqueles que precisam trabalhar para sobreviver e simultaneamente optam por constituir família lidam com desafios adicionais no equilíbrio entre uma e outra dimensão. Quando se dedica esforço aos deveres familiares e profissionais, o desenvolvimento espiritual pode entrar em abrandamento. Destinar mais dedicação a um ou a outro dependem de vários factores circunstanciais presentes no processo de crescimento de cada um.

Quem deseja nutrir e muscular o seu interior e vive no mundo urbano encontra um desafio acrescido nesta viagem. Ainda se acredita que a tecnologia é uma entidade mágica que resolve todos os problemas. Agrada-nos a ideia de podermos fazer tudo mais rápido. As vidas urbanas atingiram tal artificialidade e velocidade que não reparamos o quanto nos afastamos de nós e dos demais. As florestas de betão tomaram o lugar dos elementos da natureza. São lugares artificiais que se tornam ainda mais hostis com a poluição a vários níveis.

A nossa dimensão material é o que nos faz ter a ligação à terra. Por mais que desejemos ir subindo nos degraus da espiritualidade, não nos podemos alhear da nossa natureza corpórea. O corpo precisa de alimento e manutenção. As nossas vidas precisam ser geridas, mesmo que tenhamos de cumprir com aqueles afazeres diários mais comezinhos.