domingo, 26 de novembro de 2006

O regresso

Depois de dois anos de ausência vi-me conduzida de novo a Timor, em Novembro de 2006. A viagem tomou a forma de peregrinação, como se fosse uma metáfora para a grande jornada que me espera daqui em diante… Depois de mais ou menos três dias de viagem regressei finalmente à terra em forma de crocodilo, que me recebeu de braços e sorrisos abertos como outrora. Os tempos agora são outros. Vive-se um clima de alerta, principalmente na cidade de Dili, onde confrontos amiúde têm lugar. Vive-se, contudo, durante o dia um quotidiano normal. As lojas estão em funcionamento, o frenesim das ruas amontoadas de carros, motorizadas, gente, vendedores, … Observar as pessoas é um dos meus maiores prazeres. Aprecio cada gesto e cada olhar. Os timorenses têm um sorriso espontâneo, aberto e carinhoso. É fácil apanhá-los distraídos enquanto desempenham alguma tarefa, momento em que emerge um semblante triste, melancólico… O sorriso e riso dos timorenses dizem muito a seu respeito. É uma forma de comunicação. O riso com pequenas gargalhadas tem diferentes significados, dependendo da forma como é manifestado pelo interlocutor.

Cheguei com outra missão em mãos. Dar apoio directo às populações, mas durante o período de eleições. Aguardo a decisão da colocação num dos distritos do país na área rural. Até lá vou frequentando as aulas de tétum, de forma a melhorar as competências linguísticas, que são fundamentais no contacto directo com os autóctones.

As sensações são variadas neste reencontro com o povo das duas caras (ora crocodilo, ora rapaz – ver a “Estória do Crocodilo”). O corpo precisa habituar-se às elevadas temperaturas e humidade do ar. A respiração torna-se mais difícil, as roupas colam-se ao corpo, as pernas parecem pesar mais, o pó circula no ar, os insectos importunam os movimentos sempre que tentam provar o sabor da pele ou sangue, o sol queima a delicada pele dos caucasianos.

Se por um lado o corpo vê-se sujeito a um novo ambiente que lhe parece hostil, por outro o espírito sente igualmente os novos desafios. A mudança de registo cultural é essencial, i.e., não olhar com os mesmos olhos as formas de “pensar, sentir e agir” dos timorenses. É necessário colocar novas lentes. As sensações mais difíceis de experimentar não são contudo as físicas. Ver as condições que a maior parte vive é certamente mais difícil…

2 comentários:

Alex disse...

Ola Sonia!
Fiquei muito contente por ti quando soube que tinhas regressado a Timor. Acredito que para alguem na tua area de trabalho seja extremamente gratificate poder estar num terreno em que se alia de forma plena a antropologia com o trabaho humanitario, em que sentes na pele todos os desafios da caminhada que escolheste para esta vida. Espero que tudo corra pelo melhor, que a fase que agora (re)iniciaste te permita desenvolver e emriquecer as imensas capacidades que tens. Um beijo grande... vou espreitando por aqui!

Alexandra Paulino

Sérgio Aires disse...

Passo por aqui só para dizer que é bom saber que estás feliz. Naturalmente, sentimos saudades. Naturalmente, fazes cá muita falta. Mas o que faz mesmo falta e o que nos importa é que sejas feliz. E pelo que nos dizes isso é evidente. Naturalmente, deixas-nos felizes. Beijos e abraços deste longínquo, e cada vez mais triste, Portugal.
Sérgio Aires