quinta-feira, 1 de fevereiro de 2007

A felicidade


Depois das refeições fico a conversar com algumas das oito Irmãs Canossianas de Lospalos. As mais velhas, que sabem falar português, gostam de reciclar as suas competências linguísticas e é com prazer que partilhamos ideias e pensamentos. Dizem-me a todo o momento (principalmente quando começamos as refeições): «Nós simples, muito simples». As conversas são igualmente de grande simplicidade, uma simplicidade luminosa.

Neste momento vem-me à memória uma conversa recente com a irmã Felicidade. Ao perguntar-lhe a sua idade respondeu-me: «Tenho 72 anos. Sou muito feliz. Estou muito feliz com a minha idade e comigo». Esta afirmação tão peremptória e convincente contrasta com o seu aspecto franzino e débil. Os seus modos são gentis (como a maior parte dos seus conterrâneos timorenses), mas o seu andar não esconde a grande energia, mesmo sendo septuagenária.

Os caminhos de uma das conversas levaram a Irmã de novo até Itália, onde em tempos tivera passado uma temporada, parte do seu percurso religioso. Decorrente dessa estadia, contava-me a primeira vez que viu neve: «Estava a varrer a varanda quando vi cair algodão, mas quando tentei agarrar os flocos, não parecia algodão. Tinha uma textura diferente. Então fui para a rua e fiz uma bola de neve. Quando estava na hora de ir rezar coloquei a bola dentro do bolso e fui para a Igreja. Passado algum tempo vi que no chão começou a cair água. Não sabia de onde vinha, até que a Madre Superiora me perguntou o que tinha no bolso».

Contava-me a história e a cada palavra tinha mais vontade de rir. Dava gargalhadas entre cada frase. Recordava-se com alegria desses momentos, da descoberta dos flocos de neve e do efeito do gelo na presença do calor.

Todos os dias há histórias novas que saltam para a mesa de refeição. As Irmãs mantêm os seus sorrisos abertos e espontâneos, mesmo que estejam numa dia mais atarefado ou doentes. Observo-as e escuto-as - ora em Português, ora em Tétum – e penso: «Isto é a felicidade». Elas vivem em harmonia na sua comunidade, encontraram a sua missão e são felizes nela. Cada dia é uma oferenda que aceitam com agrado e generosidade. E transportam esse espírito em todas as suas acções, como no momento em que eu estava em meditação e a Irmã Felicidade espontaneamente me dá um beijo expressivo no rosto ao mesmo tempo que me abraça. A surpresa pelo gesto fez-me transbordar de emoção, não conseguindo conter as lágrimas enquanto de olhos fechados sentia os seus passos em direcção à porta.

Acredita, a FELICIDADE está na SIMPLICIDADE.

3 comentários:

Unknown disse...

Amor, Felicidade, Alegria, Silêncio, Simplicidade, pequenas histórias que nos enchem.....de simples contentamento.
A Felicidade existe, claro, e está "cá" dentro.
"Bem ajas"

Alex disse...

Ler os teus posts da me sempre vontade de estar ai contigo e partilhar das vivencias/experiencias/descobertas que nos vais deixando entrever nas tuas palavras. É curioso como nas sociedades do suposto primeiro mundo nao há espaço para se concretizar o mesmo tipo de conhecimento, como nos perdemos na futilidade/inutilidade da rotina e burborinho da "grande cidade"... sei que nao tens muitas hipoteses de vir ate à net, mas deixo te o endereço do novo site da minha irma Ana. Acho que vais gostar do trabalho que ela esta a desenvolver.
Beijos grandes
http://unicidade.blogs.sapo.pt/

Anónimo disse...

E não tem preço. Ou melhor, qualquer preço vale para atingir a simplicidade.

Bjs e continua a dar-nos notícias.

Sérgio Aires